Acalásia

17 de novembro de 2020

Acalásia

– A acalasia é um distúrbio de motilidade primário bem definido que envolve a perda de células ganglionares da parede do esôfago, começando no esfíncter esofágico inferior (EEI), mas se estendendo proximalmente. Estima-se que 5% das acalásias se manifeste antes dos 15 anos de idade. Epidemiologia em pediatria não é bem conhecida, sendo reportada em estudo em torno de 0.18 para 100 mil crianças-ano. [Marlais M et al, Arch Dis Child. 2011]. Maioria dos casos é isolada e idiopática. Início típico é fora da faixa etária pediátrica: entre 26 e 60 anos, com atraso diagnóstico médio estimado de 5 anos. É considerado um transtorno neurodegenerativo. Acredita-se que o grau de perda de células ganglionares seja paralelo à duração da doença. Idade média de diagnóstico em pediatria é 10.9 anos. Pacientes com acalásia tem um risco aumentado de carcinoma de esofago (estimado 4-6% na vida), mas não há atualmente guidelines de como fazer essa vigilância para cancer.

– A fisiopatologia da acalasia está relacionado mais diretamente à perda dos nervos inibidores no esfíncter, resultando na falha do LES em relaxar completamente e causando obstrução relativa.

– Em pediatria, pode ser isolada ou estar associada à outras condições ou síndromes: Síndrome de Allgrove, Síndrome de Down (até 4% dos pacientes com sd. de Down podem ter acalásia), neuropatia visceral familar, síndrome da hipoventilação congênita, Neoplasia Endócrina Múltipla tipo 2B, disautonomia familiar, …

* A síndrome de Allgrove ou do triplo do “triplo A” foi clinicamente descrita em 1987 [Allgrove J et al . Lancet 1978]. Trata-se de uma síndrome autossomica recessiva, causada por mutação no gene AAAS ( também chamado de gene ALADIN – codifica proteína homônima), no cromossomo 12q. A síndrome caracteriza-se clinicamente por Addison (insuficiência Adrenal), Alacrimia, e Acalásia. O 4o ‘A’ é proposto de ser disAutonomia. Deve-se se estar muito atento a possibildiade dessa síndrome porque a tríade pode estar incompleta na apresentação. Num cenário “típico” a alacrimia seria a primeira manifestação. Insuficiência adrenal pode se desenvolver mais tardiamente, na segunda decada de vida.

– Voltando para acalásia…. A manometria pode revelar pressão elevada do EEI acima de 40 mm Hg em mais de 60% dos pacientes; no entanto, o aumento de tônus do EEI não é universal ou necessário para o diagnóstico manométrico. O achado clássico que deve estar presente é a falha de relaxamento do EEI após deglutição. Em casos de doença avançada, apesistalse total pode ser identificada.  Podem ainda ser observadas contrações isoladas não peristálticas ou contrações simultâneas de baixa amplitude do corpo esofágico. Contrações simultâneas de alta amplitude (> 60 mm Hg) podem representar um estágio inicial da acalasia clássica.

– A disfagia progressiva para sólidos e líquidos é a “marca registrada” da acalasia. A disfagia para sólidos é mais comum do que para líquidos. Em geral, os sintomas estão presentes em média até 5-6 anos antes da apresentação. A regurgitação de alimentos retidos no esôfago dilatado proximal é uma ocorrência comum, principalmente à noite, exigindo que os pacientes durmam em vários travesseiros ou na posição vertical em uma cadeira. Esse sintoma piora à medida que o esôfago se dilata com o tempo. A dor torácica pode ser outra queixa inicial, caracterizada por uma dor retroesternal em compressão que se irradia para o pescoço, mandíbula, braços ou costas; pode piorar com a comida e pode despertar os pacientes do sono. Sensação de azia ou pirose  pode ser relatada por 30% dos pacientes.

– Apesar de ser claramente uma doença orgânica, o estresse emocional pode piorar os sintomas. Outro fator de piora bem descrito é a alimentação rápida.

– Emagrecimento é comum com acalasia, a perda geralmente é leve.

– A acalasia em estágio avançado produz dilatação do esôfago que na radiografia contrastada mostra o dilatamento com o clássico afilamento do esfincter esofágico inferior, criando a aparência característica de “bico de pássaro”. A hérnia de hiato é observada em 10-20% dos pacientes com acalasia.

– A manometria esofágica avalia o padrão motor esofágico, a amplitude da contração e a pressão e função do EEI. Em pacientes com acalasia, a aperistalse do corpo esofágico e o relaxamento incompleto do EEI são a marca manométrica clássica da doença. Mas classifica-se subtipos de acalásia conforme a manometria: tipo I, com ausência de contratilidade difusa em corpo esofágico; em B, tipo II, com panpressurização esofágica e, em C, tipo III, com contrações prematuras.

– A endoscopia é reservada para casos em que se julga necessário excluir lesões mecânicas e inflamatórias. Pode ser terapêutica se  o tratamento escolhido forem repetidas dilatações ou, mais recentemente, e miotomia peoral endoscocópica (em inglês POEM). Em pacientes com doença avançada, o esôfago torna-se atônico, dilatado e tortuoso, o que fica evidente à endoscopia. Podem ainda ser vistas alterações da mucosa secundárias à  irritação crônica pela presença de alimentos que não são prontamente depurados, incluindo eritema, mucosa friável, ulceração e, até mesmo, infecção por cândida. O EEI pode parecer bem fechado e não abrir com a insuflação de ar, mas o endoscópio deve passar para o estômago com uma leve pressão mecânica. A sensação de resistência ou rigidez na junção esofagogastrica sugere outro diagnóstico (por exemplo, malignidade, estenose). Nesse caso (de haver resistência) ou se alterações na mucosa forem observadas, biópsias devem ser obtidas.

– Mesmo em adultos (quanto mais em pediatria), o papel da ultrassonografia endoscópica continua permanece relativamente limitado no manejo da acalasia. Deve ser considerado, se disponível, em casos especídifcos, em que deseja-se investigar tumores ou doenças infiltrativas como causa de  “pseudoacalasia” (ainda mais raros que a acálasia em pediatria), e eventualmente também é usada para auxiliar na injeção de toxina botulínica (muito raramente realizada em pediatria).

– Resultados da biópsia endoscópica da mucosa e da submucosa, quando realizadas, geralmente são normais. A profundidade de uma biópsia endoscópica padrão geralmente não é profunda o suficiente para atingir os nervos mioentéricos (portanto não é usada para propósitos diagnósticos em acalásia). Os achados histológicos de exames cirúrgicos e de necropsia do esôfago do músculo liso em pacientes com acálasia (casos em que se analisa parede total e ão apenas mucosa e submucosa) mostram menos células ganglionares com um infiltrado inflamatório mononuclear. O camada de músculo circular do EEI é espessada, mas, microscopicamente, as células musculares propriamente ditas são normais.

– A terapia farmacológica atual para acalásia pode fornecer algum alívio sintomático (sobretudo quando há espasmo) ou parcial, mais evidente em pacientes nos estágios iniciais da acalasia. Pacientes com doença mais avançada precisam de uma terapia mais definitiva. A terapia medicamentosa inclui relaxantes da musculatura lisa – nitratos e bloqueadores dos canais de cálcio. Tem-se mais experiência foi com dinitrato de isossorbida e nifedipina. A eficácia desses agentes foi demonstrada principalmente em estudos retrospectivos. Outras drogas usadas menos extensivamente incluem diferentes tipos de anticolinérgicos, nitrito de amila, nitroglicerina, teofilina, beta2-agonistas e, recentemente, inibidores da fosfodiesterase; mas a experiência com esses medicamentos é limitada.

– Como terapia adjuvante há  boa resposta à terapia anti-refluxo no casos em que há dor torácica não cardíaca no contexto de dismotilidade esofágica espástica, mesmo na ausência de sintomas típicos de refluxo gastroesofágico.

– As injeções de toxina botulínica no EEI podem ser usadas no tratamento de pacientes com acalasia. Em geral dado o efeito temporário/limitado dessa terapia, ela tende a ficar reservada a pacientes que não sejam candidatos a cirurgia. Tem as principais desvantagens de alto custo e a necessidade de repetidas sessões terapêuticas.

– A EDA com dilatação (pneumática) é considerada de uma das terapias padrão para pacientes com acalasia. As taxas de resposta variam conforme o estágio e com o número de sessões, de 50-93%. A principal complicação é a perfuração, que ocorre a uma taxa de até 8%. Em geral aceita-se que os pacientes devem ser observados por 3-6 horas antes da alta após uma dilatação, que pode ser realizada em regime de “hospital-dia”. A dieta do paciente é progredida após a dilatação ao longo de alguns dias (há diferentes protocolos). A supressão ácida deve ser usada após dilatação com rupturas significativas na mucosa, a fim de proteger a mucosa de refluxo gastroesofágico subsequente. Após a dilatação pneumática se for a terapia de escolha, o melhor preditor de resultado estudado em adultos é a medida a pressão residual do EEI (melhor prognóstico se residual < 10 mmHg) – mas não dá estudos que validem esse preditor em pediatria.

– Alternativamente, outra terapia definitiva possível para acalásia é a miotomia – cirúrgica “de Heller”, ou endoscópica. Há diversos estudos que comparam resultados da miotomia cirúrgica vs. dilatação endoscópica, com resultados contraditórios, ora favorecendo uma terapia, ora favorecendo  a outra, e ora não encontrando diferença entre as duas terapias. A verdade é que não há consenso. A miotomia cirúrgica é realizada via de regra por via laparoscópica. As principais complicações pós-operatória da miotomia de Heller são o refluxo pós-miotomia ou a disfagia – muitas vezes é realizada um fundoplicatura parcial no mesmo tempo cirúrgico, a fim de evitar o refluxo. A técnica endoscópica, POEM, tem sido cada vez mais reportada, mas não é amplamente disponível, e menos ainda em pediatria. Há muito entusiasmo em torno dessa nova terapia, por ser menos invasiva que a cirurgia laparoscópica e potencialmente (precisamos aprender mais) mais efetiva e definitiva que a dilatação endoscópica.

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REFERENCIAS:

  • Marlais M, Fishman JR, Fell JM, Haddad MJ, Rawat DJ. UK incidence of achalasia: an 11-year national epidemiological study. Arch Dis Child. 2011 Feb;96(2):192-4. doi: 10.1136/adc.2009.171975. Epub 2010 Jun 1. PMID: 20515971.
  • Weber A, Wienker TF, Jung M, Easton D, Dean HJ, Heinrichs C, Reis A, Clark AJ. Linkage of the gene for the triple A syndrome to chromosome 12q13 near the type II keratin gene cluster. Hum Mol Genet. 1996 Dec;5(12):2061-6. doi: 10.1093/hmg/5.12.2061. PMID: 8968764.
  • Allgrove J, Clayden GS, Grant DB, Macaulay JC. Familial glucocorticoid deficiency with achalasia of the cardia and deficient tear production. Lancet. 1978 Jun 17;1(8077):1284-6. doi: 10.1016/s0140-6736(78)91268-0. PMID: 78049.
  • Preiksaitis HG, Miller L, Pearson FG, Diamant NE. Achalasia in Down’s syndrome. J Clin Gastroenterol. 1994 Sep;19(2):105-7. doi: 10.1097/00004836-199409000-00005. PMID: 7963353.
  • Medscape – “Esophageal Motility Disorders Treatment & Management” Updated: Dec 29, 2017
    Author: Eric A Gaumnitz, MD; Chief Editor: Praveen K Roy, MD, AGAF

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