Pseudo-obstrução secundária a mutação ACTG2 – “O fenótipo diverso de dismotilidade intestinal secundária a distúrbios relacionados ao ACTG2”

23 de julho de 2022

Pseudo-obstrução intestinal secundária a mutação ACTG2 – “O fenótipo diverso de dismotilidade intestinal secundária a distúrbios relacionados ao ACTG2”

 

– A proteína ACTG2 (Actina Gamma 2, do músculo liso) é codificada por um gene homônimo, e é uma proteína evolutivamente conservada e estruturalmente complexa. É um membro da família das actinas e constitui um componente crítico do citoesqueleto das células musculares lisas entéricas.

 

– A dismotilidade intestinal secundária à mutação ACTG2 foi relatada pela primeira vez por Lehtonen et al (referência 1) em 2012 em uma grande família finlandesa com miopatia visceral familiar  com 8 adultos portadores de uma variante heterozigótica ACTG2, com claro padrão de herança autossômica dominante, e uma importante  heterogeneidade fenotípica intrafamiliar: 3 indivíduos haviam falecido, 1 permaneceu dependente de nutrição parenteral e  foi listado para transplante de intestino delgado, enquanto os 4 restantes apresentavam (ao menos no momento da publicação) sintomas leves a moderados e se alimentavam por via oral. Além de descrever c clínica associada da mutação,  Lehtonen et al. descreveram também uma visão sobre o mecanismo molecular da dismotilidade intestinal associada a mutação ACTG2: filamentos de actina aberrantes se agregavam em corpos de inclusão intracelular anormais no intestino delgado, esôfago e bexiga de pacientes afetados, levando à contratilidade muscular reduzida.

 

– Essa descrição inicial foi seguida pela identificação de variantes adicionais de ACTG2 em outras formas de miopatias viscerais, como a síndrome da megabexiga microcolon hipoteristalse inttestinal (MMIHS – megacystis-microcolon-intestinal hypoperistalsis) e a síndrome  de Prune-belly. Tornou-se evidente que as variantes de ACTG2 constituem a etiologia genética em um importante subconjunto de pacientes com pseudo-obstrução intestinal crônica (CIPO – do adulto) e pseudo-obstrução intestinal pediátrica (PIPO).

 

– Revisão sistemática que agrupou principalmente relatos e séries de casos (total de 103 casos – 99 da literatura e 4 novos que foram apresentados nessa publicação) de dismotilidade intestinal secundária a mutação a ACTG2 (referência 2 – de minha autoria) mostrou que:

  • Em termos de dados demografia e manifestações clínicas,  52,4% dos pacientes eram do sexo feminino, achados ultrassonográficos pré-natais foram relatados cerca de 36%, 59% tiveram dos sintomas nos primeiros 2 anos de vida, microcólon foi documentado em uma parcela menor de pacientes (38%) do que  a megabexiga (73%), e má rotação ou vólvulo foram relatados em 25,2% dos casos.
  • A farmacoterapia utlizada no manejo dos casos não foi consistentemente relatada, mas observou-se que 66% dos pacientes foram submetidos à cirurgia abdominal – a ileostomia foi o procedimento mais comum. Quase metade dos pacientes necessitou de cateterismo vesical intermitente (48,5%). A dependência de nutrição parenteral foi bem documentada em mais da metade dos casos (53,3%). Cerca de um quarto dos pacientes morreram.  Duas interrupções de gravidez também foram relatadas. Seis dos 103 casos haviam sido submetidos a transplante de intestino e mais dois pacientes estavam listados para transplante de intestino. A média de idade da morte foi de 18 anos (mediana de anos 11 e intervalo interquartil de 0,67 a 34 anos). Dentre as causas de morte, foram reportados infecção/sepse, abandono do tratamento, desnutrição, obstrução intestinal e insuficiência hepática.
  • Nessa trabalho, a ferramenta CADD (do ingles “Combined Annotation Dependent Depletion”) foi utilizada como forma de avaliar a potencial de patogenicidade das diferentes mutações, tarta-se de  um score de pontuação que é essencialmente integração de diferentes escores de anotação de variantes genéticas para avaliar a nocividade prevista dessas variantes. Não houve uma correlação genótipo-fenótipo usando pontuações  do CADD.
  • Apesar da ausência de clara relação genótipo-fenótipo, foram exploradas outras análises interessantes. Quando os pacientes foram estratificados de acordo com o início da doença, comparando pacientes com início antes dos 2 anos de idade vs. depois dos 2 anos, foi observada uma diferença estatisticamente significativa nas taxas de presença de megabexiga, microcólon, necessidade de para cirurgia e necessidade de cateterismo vesical intermitente, todas com com taxas de frequecnia mais altas em pacientes com início precoce da doença. No entanto, sem diferença significativa nos escores CADD foi observada entre esses grupos (inicio ante vs. depois dos 2 anos), e apesar do início precoce as taxas de dependência de nutrição parenteral e transplante/morte não diferiram significativamente. Em outras palavras, o inicio mais precoce da doença não pode ser explicado simplesmente pela patogenicidade da variante, e o início mais precoce da doença não se traduziu necessariamente em maior dependência de nutrição parenteral ou maior risco de transplante/ morte.
  • Ainda, outro achado de  a análise das características e desfechos da doença de acordo com o gênero/ sexo revelou uma diferença estatisticamente significativa nas taxas de presença de microcolon, mais presente no sexo feminino (26% vs. 48%) – esta é uma característica da MMIHS; também maiores taxas de dependência de NP (60% vs. 91%) e transplante ou morte (19% vs. 40%), sugerindo uma doença mais grave no sexo feminino. Curiosamente, esses achados foram observados apesar de uma pontuação do escore de CADD ligeiramente menor em pacientes do sexo feminino, embora essa diferença não tenha sido significativa, isso nos mostra que a diferença de características clinicas e desfechos observada de acordo com o sexo não pode ser explicada pela patogenicidade das variantes.

– Em resumo, variantes patogênicas de ACTG2 causadoras de dismotilidade grave/pseudo-obstrução são frequentemente associadas ao fenótipo MMIHS, mas uma ampla variação fenotípica é relatada, marcada por morbidade significativa e alta mortalidade. Nos distúrbios de motilidade intestinal associados a ACTG2, os sintomas presentes geralmente aparecem nos primeiros 2 anos de vida, mas também podem aparecer em uma idade mais avançada. Testes genéticos incluindo mutações ACTG2 devem ser um método diagnóstico de rotina na pseudo-obstrução intestinal pediátrica ou adulta, e também podem ser considerados em fenótipos mais leves, como constipação intestinal refratária ao tratamento convencional.

 

Referências

  1. Lehtonen HJ, Sipponen T, Tojkander S, et al. Segregation of a missense variant in enteric smooth muscle actin gamma-2 with autosomal dominant familial visceral myopathyGastroenterology 2012; 143:1482.
  2. Sandy NS, Huysentruyt K, Mulder DJ, Warner N, Chong K, Morel C, AlQahtani S, Wales PW, Martin MG, Muise AM, Avitzur Y. The Diverse Phenotype of Intestinal Dysmotility Secondary to ACTG2-related Disorders. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2022 May 1;74(5):575-581.

 


 

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