Considerações sobre diagnóstico da Pancreatite Aguda em pediatria

6 de maio de 2020

Considerações sobre diagnóstico da Pancreatite Aguda em pediatria

 

  • Incidência estimada da pancreatite aguda em pediatria: 10.000 crianças/ano
  • O INSPPIRE (INternational Study Group of Pediatric Pancreatitis: In Search for a CuRE) define que o  diagnóstico de pancreatite aguda requer pelo menos 2 dentre: (1) dor abdominal compatível com pancreatite aguda, (2) valores sericos de amilase e/ou lipase 3 vezes o limite superior do normal, e (3) achados de imagem compatíveis.
  • A suspeita diagnóstica é geralmente clinica, confirmada por laboratório e/ou estudos radiológicos. Dor abdominal e/ou irritabilidade são os achados mais comuns em pediatria, seguidos de dor epigástrica, náusea e vômitos. Em lactentes e crianças pequenas, os sintomas podem ser sutis e o diagnostico/suspeição clinica mais dificil.
  • Fatores biliares /obstrutivos, medicações e doenças sistêmicas são as principais causas de pancreatite aguda.
  • A porcentagem de crianças que desenvolvem pancreatite aguda ‘grave’ é variável em séries publicadas, mas maioria parece ter curso leve. Não há ferramentas clínicas estabelecidas para prever gravidade. Os sistemas de pontuação para avaliar a gravidade da pancreatite em adultos (Ranson, Glasgow, Glasgow modificado, APACHAE II, …) não são aplicáveis em pediatria.

 

  • Um nível sérico de lipase ou amilase de pelo menos 3 vezes o limite superior do normal é considerado consistente com o diagnostico pancreatite. Não ha boa correlação de lipase ou amilase com a gravidade da doença.
  • A lipase é secretada principalmente no pâncreas, mas outras fontes incluem lipases gástricas e linguais. A lipase aumenta dentro de 6 horas de sintomas; os níveis séricos atingem um pico em 24 a 30 horas e pode permanecer elevado por mais de uma semana. Trata-se do marcador mais sensível e específico para pancreatite aguda (87% -100% e 95% -100%, respectivamente).
  • A amilase é secretada por vários órgãos, includindo glândulas salivares e pâncreas. A maioria dos laboratórios mede a amilase total, que contêm as isoformas s-amilase (salivar) e p-amilase (pancreatica). As isoformas podem em teoria ser fracionadas, mas esta prática está menos disponível.  Amilase aumenta mais rápido que lipase e pode normalizar em 24 horas após o início dos sintomas, limitando a utilidade em pacientes wue se apresentam tardiamente para avaliação medica.
  • Várias condições que não pancreatite causam elevações das enzimas pancreáticas,  incluindo insuficiência hepatica, insuficiência renal, inflamação intestinal de diversas etiologias, trauma abdominal, cetoacidose diabetica e traumatismo craniano. Rins excretam amilase e lipase, portanto elevações dessas enzimas pode ser observada em pacientes com lesão renal. Além disso, alguns indivíduos produzem grandes complexos de amilase ou lipase com imunoglobulinas (macroamilasemia e macrolipasemia), que não são excretados devido ao grande tamanho.
  • Outros biomarcadores para diagnóstico de pancreatite foram propostos e estudados, mas por hora sem ganhar destaque para uso clínico.
  • Alem das enzimas pancreaticas, outros testes de laboratoriais são úteis para monitorar o curso da pancreatite aguda: eletrólitos séricos, uréia, creatinina, hemograma são importantes e auxiliam a monitorar o estado de fluido/hidratação e função renal; enzimas hepaticas e canaliculares são indicadas para procurar etiologia obstrutiva/biliar; níveis de cálcio e triglicerídeos devem ser consideradas para investigações de etiologia.

 

  • Possíveis etiologias: anatômica, obstrutiva (incluindo biliar), infecciosa, trauma, tóxica, metabólica, doença sistêmica, erros inatos do metabolismo, predisposições genéticas e alterações idiopáticas.
  • Considerando-se as etiologias mais frequentes, recomenda-se na investigação na apresentação de um primeiro episodio de pancreatite: enzimas hepáticas e canaliculares séricas, triglicerídeos,  níveis de cálcio, e ultra-som abdominal.
  • Testes para predisposições genéticas podem ser reservados casos de recorrência: CFTR (regulador de condutância transmembranar da fibrose cística), SPINK1 (inibidor de serina protease Kazal tipo 1) e PRSS1 (tripsinogênio catiônico).

 

  • Normalmente, a imagem na fase inicial do pancreatite aguda pode não ser necessária se história/ apresentação tipica e marcadores séricos bioquímicos preenchendo criterios diagnósticos. Entretanto, em geral, como citado acima, costuma-se realizar ultrassom de abdome para avaliação etiologica (cálculos biliares ou anormalidades anatômicas).  A imagem/o US também se torna relevante para documentar necrose pancreática e coleções,  complicações da pancreatite. A tomografia computadorizada com contraste frequentemente não é indicada e nem necessária para o diagnóstico ou manejo da pancreatite aguda em pediatria. Entretanto, em casos de duvida diagnóstica, apresentação tardia com os marcadores séricos  baixos, os exames de imagem podem ser necessários para auxiliar o diagnostico. Na TC, o contraste permite distinguir areas necróticas. A imagem, se realizada precocemente pode subestimar a gravidade, porque complicações evoluem ao longo do tempo: TC, quando indicada,  idealmente deve ser adiada pelo menos 96 horas após o início dos sintomas. A realização da TC deve ser considerada quando ha deterioração da condição clínica. O índice de gravidade de tomografia (classificação de Balthazar) tem sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e negativo de 81%, 76%, 62% e 90%, respectivamente, para pacientes pediatricos. O ultra-som pode e deve ser preferido na imensa maioria dos casos, pois tem um excelente perfil de segurança, não é invasivo e não utiliza radiação. A utilidade do ultrassom pode, no entanto, ser limitada devido a estruturas interferentes, como o intestino/ gases e em pacientes obesos, apresentando uma sensibilidade mais baixa comparada a TC.
  •  A ressonância magnética normalmente não é utilizada como técnica inicial de imagem agudamente, mas pode ser útil para complicações tardias, podendo ser mais sensível na avaliação tecido necrótico quando comparado TC, porem menos disponível e tecnicamente mais difícil. A colangio-ressonância é mais frequentemente empregada para avaliação da detecção de cálculos distais do ducto biliar comum

 

Resumo das recomendações

  • Diagnóstico conforme INSPPIRE: requer pelo menos 2 dos seguintes: (1) dor abdominal compatível com pancreatite aguda, (2) valores séricos de amilase e/ou lipase 3 vezes o limite superior normal, (3) achados de imagem consistentes.
  • Imagem inicial pode ser realizada via ultrassonografia  abdominal, com outras modalidades de imagens (TC, RM) reservadas para casos mais complicados (e idealmente realizadas mais tardiamente – >96h – se objetivo for avaliar a presença de necrose)
  • Com base nas etiologias mais frequentes e aquelas para os quais existem opções terapêuticas, no primeiro episodio de pancreatite, testes complementares devem incluir: enzimas hepáticas e canaliculares (alanina aminotransferase, aspartato aminotransferase, gamamaglutamil transferase, fosfatase alcalina, bilirrubina), triglicerídeos, cálcio, e ultrassonografia de abdome.

 

FONTE: 

Management of Acute Pancreatitis in the Pediatric Population: A Clinical Report From the North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition Pancreas Committee

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29280782

 

 


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