Gastrite Autoimune em pediatria

26 de agosto de 2023

Gastrite Autoimune em pediatria

  • A gastrite autoimune é considerada uma condição rara em adultos, e ainda mais, na pediatria.
  • Trata-se de uma condição de inflamação cronica caracterizada por atrofia progressiva da mucosa gástrica
  • Manifestação típica histologica de gastrite atrófica predominantemente de corpo, com destruição das glândulas oxínticas por linfócitos
  • A patogênese é desconhecida. A ativação de linfócitos B com produção de anticorpos anti-parietal parece contribuir. Foi sugerido um papel do Helicobacter pylori desencadeando um processo autoimune, possivelmente por mimetismo molecular, mas isso não foi comprovado
  • Dados sobre a história natural da gastrite autoimune em pediatria são muito limitados
  • Há controvérsia até em como estabelecer o diagnóstico, sendo mais comumente aceito que o diagnóstico é predominantemente histológico (gastrite atrófica predominantemente de corpo, poupando o antro), e anticorpos podem apoiar o diagnóstico (anticorpo anti-célula parietal ou anticorpo anti-fator intrínseco)
  • Casuística de Israel (reportada por Granot et al. no congresso da ESPGHAN) multicêntrica (baseada no diagnóstico histológico) reportou: 32 pacientes, 72% do sexo feminino, idade de apresentação de 12,5 anos (Intervalo interquartil de 7 a 15.1 anos), 2/3 dos pacientes com algum dos anticorpos positivo (anti-célula parietal ou anti-fator intrínseco); na apresentação, a manifestação mais comumente observada foi anemia por deficiência de ferro – em cerca de 70%, seguida por déficit de crescimento – ~30%, dor abdominal ~30%, e menos comumente, diarreia, vômitos, e deficiência de B12; 47% dos pacientes tinham alguma outra autoimunidade (tireoidite 19%, DM1 13%, doença celíaca 9%, hepatite autoimune 3%, Addison 3%); na comparação de pacientes com ou sem positividade de autoanticorpos, não foram encontradas diferenças quanto a idade de apresentação, sexo, IMC, entretanto, outras manifestações autoimunes foram mais comuns em pacientes com autoanticorpo positivo; na apresentação, o nível mediano de Hb foi 10, com baixo VCM (67) e baixa ferritina (6.3), e nível de B12 normal – 430 pg/mL, e nível de gastrina elevado – 508 pg/mL na mediana (gastrina elevada em 85% dos casos). Quantos aos achados histológicos nessa casuística: 96% com inflamação crônica na lâmina própria no corpo gástrico x 59% no antro; 100% de atrofia oxíntica no corpo gástrico x 0% no antro; 83% de hiperplasia de células enterocromafins no corpo gástrico x 5,5% no antro; 23% de metaplasia no corpo gástrico x 0% no antro; não foi observada neoplasia; somente 1 paciente com H. pylori em antro. Coorte foi seguida por tempo mediano de 35 meses, nesse tempo 9/32 realizaram apenas uma EDA de seguimento, 8/32 realizaram 2 EDAs, 7/32 realizaram 3 EDAs, 4/32 realizaram 4 EDAs e 4/32 realizaram 5 EDAs. O intervalo mediano para vigilância endoscópica foi de 17 meses. Nessa casuística, 7 pacientes (23% da coorte) evoluíram com metaplasia e um desenvolveu tumor gástrico neuroendócrino tipo 1. Nenhum paciente evoluiu com melhora. Um paciente apresentou hemorragia digestiva alta, com repercussão clínica e sem nenhuma origem de sangramento identificada na EDA
  • Achados endoscópicos no quadro de atrofia leve são mínimos ou ausentes, enquanto na atrofia avançada há achatamento das pregas gástricas, mucosa pálida e vasculatura proeminente
  • Não há hoje um consenso de como realizar o seguimento desses pacientes – quando repetir endoscopia com biópsias, com que frequência monitorar micronutrientes (perfil de ferro e B12)
  • Não também um tratamento direcionado disponível. Manejo inclui a reposição de micronutrientes – ferro e B12, sendo que pacientes podem precisar de reposição parenteral de ferro por falha terapêutica com suplementação oral. É reportado tratamento com budesonida, sem aparente boa resposta. O uso de IBP não parece prevenir a progressão para metaplasia.
  • Há risco de progressão para metaplasia e tumor neuroendócrino.
  • A anemia por deficiência de ferro ocorre pela diminuição no ferro biodisponível secundária a diminuição da produção ácida pela destruição de células parietais, já a anemia perniciosa por redução da absorção de B12, pela diminuição da secreção de fator intrínseco. É importante notar que a anemia por deficiência de ferro pode ser a primeira apresentação da gastrite autoimune, muitas vezes precedendo o início da anemia perniciosa por vários anos.

Referência: Trabalho apresentado por Dra. Maya Granot no 55th ESPGHAN (European Society of Gastroenterology, Hepatology and Nutrition) Annual Meeting (Viena 2023)