Diagnóstico e diagnóstico diferencial da doença do enxerto versus hospedeiro (GVHD/ DECH) hepática
- A doença do enxerto versus hospedeiro (Do inglês “Graft versus host disease” – GVHD, e em portugês abreviada DECH) é uma complicação comum após transplante de células tronco hematopoiéticas (TCTH), que normalmente se manifesta como lesão na pele, mucosa e fígado.
- A DECH aguda representa uma resposta exagerada de células imunes do doador a antígenos “estranhos” (descontrole da resposta imune do enxerto contra antígenos do hospedeiro). É iniciada por lesão tecidual, seguida de regulação positiva dos receptores de superfície nas células apresentadoras de antígeno do hospedeiro e aumento da apresentação de antígenos “estranhos”.
- Diferente da DECH aguda, os mecanismos da DECH crônico não são bem compreendidos.
- O diagnóstico do DECH hepática, em particular, pode ser desafiador devido a inespecificade de sinais e sintomas clínicos, e devido ao fato de que as características histopatológicas apresentam apresentam sobreposição significativa com outras entidades/ diagnósticos diferenciais hepáticos observadas pós-TCTH.
- Devido ao risco de complicações, o diagnóstico de DECH hepático é muitas vezes clínico-laboratorial, sendo a biópsia hepática tipicamente reservada para casos selecionados no pós-TCTH. A biópsia hepática pode ser um recurso valioso quando os achados em outros sistemas orgânicos são ambíguos, quando há múltiplas possibilidades no diagnóstico diferencial e quando os achados clínicos e/ou laboratoriais não mostram melhora após suposta terapia empírica adequada.
Quanto a definição da DECH aguda e crônica:
- Historicamente a classificação em definida como aguda ou crônica era definida com base no tempo de início dos achados clínicos: DECH aguda – de ocorrência nos primeiros 100 dias pós-TCTH; e cronicidade era definida quando início das manifestações após 100 dias pós-transplante.
- Entretanto, com avanços na terapia e na compreensão da DECH, reconheceu-se de que o critério de início dentro de 100 dias do TCTH não descreve com precisão o espectro de achados da DECH. Estabeleceu-se critérios mais específicos para distinguir a DECH aguda da crônica, e baseados em achados clínicos, laboratoriais e histopatológicos específicos, e não apenas no tempo de início.
- Os critérios atuais do National Institute of Health (NIH) definem DECH aguda como anormalidades específicas da pele, trato gastrointestinal e fígado que pode ocorrer em dois cenários gerais: 1) clássica — ocorrendo dentro os primeiros 100 dias pós-TCTH; ou 2) persistente, recorrente ou de início tardio – ocorrendo após 100 dias do transplante, mas com características semelhantes às da DECH aguda clássica – geralmente associado a redução de esteroides ou retirada de imunossupressão. O diagnóstico de DECH aguda é baseado em uma combinação de fatores clínicos e achados de biópsia bem definidos.
- Os critérios atuais do National Institute of Health (NIH) definem DECH crônica também em duas formas: 1) clássica — que demonstra achados clínicos específicos definidos como DECH crônica e não possui os achados (histológicos) de DECH na pele, trato gastrointestinal e fígado; e 2) de sobreposição — em que há achados clínicos específicos e, adicionalmente, cursa com pelo menos alguns sinais de de DECH aguda, como alterações cutâneas, lesão do trato gastrointestinal e lesão/dano ao ducto biliar intra-hepático). Na DECH crônica, a biópsia/histologia têm uma importância menor (diferente da DECH aguda), e as manifestações podem envolver uma maior variedade de órgãos e sistemas, como pulmões, trato genital, músculos e articulações (além de pele, trato gastrointestinal e fígado). Como será discutido abaixo, a apresentação clínica clássica da DECH crônica é de colestase lentamente progressiva.
Apresentação clínica da DECH hepática: 3 maneiras diferentes: 1) com elevação mais acentuada da fosfatase alcalina (FALC) e bilirrubina total (BT) e elevações mais leves da aspartato transaminase (AST) e alanina transaminase (ALT); 2) com elevações acentuadas de AST e ALT com ou sem icterícia; e 3) com colestase lentamente progressiva.
- A apresentação com elevação mais acentuada de fosfatase alcalina (geralmente duas ou mais vezes o limite superior do normal) e aumento da bilirrubina total, e elevações mais leves em AST e ALT é o quadro típico de DECH aguda, ocorrendo sobretudo nas primeiras duas semanas pós-TCTH. Icterícia pode estar presente e normalmente há história anterior de erupção cutânea e diarreia (outras manifestações de DECH aguda).
- A segunda apresentação, tipo hepatite, é caracterizada pela elevação acentuada das aminotransferases (superior a dez vezes o limite superior do normal) com aumentos relativamente mais discretos da fosfatase alcalina. Esse padrão é quase sempre associado ao desmame de imunossupressão, e pode apresentar-se sem evidência de DECH cutânea ou intestinal.
- Na terceira apresentação, de colestase lentamente progressiva, observa-se um aumento lento mas progressiva aumento da FALC e gama-glutamil transpeptidase (GGT), e icterícia. Embora, pelos critérios do NIH, nenhuma característica laboratorial ou histopatológica seja reconhecida como diagnóstica de DECH crônica no fígado, a doença colestática indolente é a apresentação clínica clássica de envolvimento hepático no cenário de DECH crônica. Geralmente está associada a alterações na pele, boca e olhos específicas para DECH crônica. Dado esse padrão de envolvimento de órgãos, a apresentação colestática indolente da DECH pode se assemelhar clinicamente a distúrbios autoimunes, como síndrome de Sjogren e hepatite autoimune.
Achados histopatológicos da DECH hepática: são recomendadas colorações de Hematoxilina-eosina (H&E), coloração para tecido conjuntivo (por exemplo, tricrômio de Masson), PAS, PAS com diástase (PASD), reticulina, ferro e CK7 ou CK19(para destacar o epitélio biliar).
- O achado característico da DECH hepática é o dano ao epitélio biliar. As alterações epiteliais biliares incluem pleomorfismo nuclear, perda de polaridade nuclear, sobreposição nuclear, vacuolização citoplasmática, alteração eosinofílica do citoplasma e, raramente, apoptose. Infiltrado linfocitário no epitélio biliar pode ser visto, e geralmente algum infiltrado linfocitário portal relativamente esparso. As alterações são normalmente encontradas em ductos biliares pequenos (interlobulares) e podem ser irregular/heterogênea ao longo do parênquima hepático. Geralmente há evidência de colestase, incluindo acúmulo de bile hepatocelular e tampões biliares canaliculares. Em contraste com a obstrução puramente extra-hepática e algumas reações medicamentosas, a proliferação dos ductos biliares geralmente não é proeminente e outras características como edema portal eneutrófilos intraepiteliais não são tipicamente observadas. A inflamação lobular é tipicamente leve e predominantemente linfocítica. Endotelialite está presente de forma variável, mas acredita-se que seja um achado relativamente específico para DECH no contexto do TCTH.
- No padrão hepatitíco, focos necroinflamatórios proeminentes com corpos acidófilos dispersos e desarranjo lobular são característicos. As áreas portais podem demonstrar inflamação mista, incluindo linfócitos, macrófagos, plasmócitos e eosinófilos. Danos nos ductos biliares podem estar presentes, de forma menos pronunciada do que na DECH clássica.
- Embora pela diretriz do NIH não existam critérios histopatológicos específicos para o diagnóstico de DECH crônica no fígado, a DECH refratária a esteróides de longa data está associada a ductopenia e fibrose.
Considerações importantes no diagnóstico de DECH hepática:
- É incomum que a DECH se apresente apenas com envolvimento hepático.
- Não há critérios histopatológicos absolutos para a diagnóstico de DECH hepática, não havendo característica patognomônica. A DECH hepática pode ser considerada diagnóstico de exclusão: outras etiologias que podem ter características clinicas, laboratoriais e histológicas sobrepostas devem ser excluídas.
- Se o paciente recebeu imunossupressão prévia para DECH antes da biópsia hepática é provável que a biópsia tenha menor atividade necroinflamatória e alterações típicas da DECH aguda. Por outro lado, se uma biópsia for feita logo após início dos sintomas, as características histológicas da DECH podem ainda ser incipientes.
- A prevalência de DECH no cenário pós-TCTH é alta; assim, o valor preditivo positivo de um diagnóstico de DECH é relativamente alto e o valor preditivo é relativamente baixo. Isso dever ser levado em consideração particularmente no cenário em que o o material de biópsia é escasso ou contém poucos tratos portais, de forma que a ausência de achados que apoiem o diagnóstico de DECH não exclui a possibilidade de DECH.
- Não está claro se o grau de dano biliar prediz o resultado ou resposta à terapia ou o prognóstico, visto que não há uma resposta definitiva se a ductopenia é reversível ou não.
Diagnóstico Diferencial: inclui infecção (particularmente hepatites virais), lesão hepática induzida por drogas (DILI), hepatotoxicidade relacionada a imunoterapia, colestase associada à sepse, síndrome obstrutiva sinusoidal (SOS) e malignidades (incluindo linfoma e PTLD).
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Fonte/ Referência:
Matsukuma KE, Wei D, Sun K, Ramsamooj R, Chen M. Diagnosis and differential diagnosis of hepatic graft versus host disease (GVHD). J Gastrointest Oncol. 2016 Apr;7(Suppl 1):S21-31. doi: 10.3978/j.issn.2078-6891.2015.036. PMID: 27034810; PMCID: PMC4783620.
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