Helicobacter pylori – recomendações das Sociedades Norte-Americana e Europeia de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátricas

25 de novembro de 2019

 Helicobacter pylori em Pediatria – recomendações das Sociedades Norte-Americana e Europeia de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátricas

 

Introdução – Qual a importância desse tema em pediatria?

  • Pacientes pediátricos podem ser comumente colonizados pylori, mas raramente desenvolvem complicações relacionadas à infecção. Pelo contrário, há dados que mostram que infecção na infância pode estar associada a benefícios imunológicos, como menor frequência de doenças gastrointestinais imunomediadas.
  • Uma diminuição da eficácia da terapia de erradicação do pylori tem sido cada vez mais reportada, de modo que devemos ser cada vez mais cautelosos na indicação do tratamento. É muito importante notar que não existe evidencia para apoiar qualquer papel da infecção por H. pylori em doenças gastrointestinais funcionais.

 

Quem são as crianças que devem ser testadas para o diagnóstico de infecção por H. pylori?

  • O documento afirma que “o objetivo principal da investigação clínica de sintomas gastrointestinais deve ser determinar a causa subjacente dos sintomas e não apenas a presença de infecção por pylori.” Portanto, na suspeita de que sintomas gastrointestinais sejam de provável origem funcional, não deve pesquisar o H. pylori. O ponto prático sendo que na ausência de Doença ulcero-peptica propriamente dita, não se espera que a erradicação da infecção pelo H. pylori resulte em melhora de sintomas gastrointestinais. Se um paciente estiver ser avaliado com dor abdominal e houver dúvida quanto a possibilidade causa orgânica: a endoscopia digestiva alta deve ser realizada para esclarecimento da presença ou não de doença orgânica, sem papel para realizar teste não invasivo para H. pylori.
  • Durante uma endoscopia digestiva alta na investigação de doença gastrointestinal orgânica, biópsias adicionais para teste rápido de urease  e cultura de pylori (se disponível) devem ser realizadas APENAS se houver provável necessidade de tratamento caso a infecção for confirmada.
  • Se houver um achado endoscópico acidental de nodularidade em antro, sem erosões ou úlceras gástricas ou duodenais, isso não deve direcionar automaticamente para pesquisa do pylori, pois o achado acidental da infecção por este organismo não se se reflete automaticamente em indicação de tratamento. Caso aconteça a infecção por H. pylori seja um achado acidental de exame, a necessidade de tratamento poderá ser deve ser ponderada e discutida com os pais/ paciente.
  • O grupo de  crianças  que definitivamente precisa ser testado para pylori são aquelas com Doença ulcero-péptica gástrica ou duodenal. Uma vez que nesses pacientes, se a infecção for identificada, o tratamento deve ser administrado e a erradicação da infecção, confirmada – já que o H. pylori   é uma causa tratável de Doença ulcero-peptica, e sua erradicação evita comprovadamente evita recaídas.
  • Qualquer forma de teste diagnóstico para pylori NÃO deve ser realizada em crianças com distúrbios funcionais da dor abdominal!! Um teste não invasivo positivo gerar ansiedade nos pais, com possível a consequência de encaminhamento para endoscopia digestiva alta desnecessária. Enquanto o teste invasivo levanta a questão de tratamento ou não – individualizada, mas que sabidamente não leva a melhora de sintomas funcionais de dor abdominal.
  • Na investigação inicial em crianças com anemia por deficiência de ferro, a investigação da infecção por H pylori não deve ser realizada. Se houver refratariedade, e outras causas forem descartadas, a pesquisa da infecção por pylori pode ser realizada de forma invasiva, durante a endoscopia digestiva alta. Nesse cenário, não há indicação para realização de testes não invasivos.
  • Pode-se considerar a testagem para infecção por pylori como possível causa de púrpura trombocitopênica imune (PTI) crônica. Devendo-se lembrar que cronicidade nessa entidade é definida a partir de 12 meses. Trata-se, atualmente da única indicação de teste não invasivo para o diagnóstico de infecção por H. pylori em pediatria – neste caso tipicamente indica-se o uso do teste respiratório.
  • O teste para infecção por pylori não é recomendado ao investigar causas de baixa estatura.

 

Como as crianças que devem ser testadas/ diagnosticadas com a infecção?

  • Testes sorológicos não tem indicação clínica, apenas em estudos epidemiológicos e em caráter de pesquisa.
  • O diagnóstico da infecção por pylori em pediatria deve ser realizado, via de regra, de forma invasiva, com EDA, pesquisa, biópsias e cultura.
  • Antes da testagem para o pylori, deve ser respeitado um intervalo de pelo menos 2 semanas após interromper do uso de um inibidor de bomba protônica (IBP) e 4 semanas após interromper do uso de antibióticos. Isso, Independentemente se for para teste diagnostico inicial da infecção ou para monitorar o tratamento (checar erradicação), e também independente de ser teste invasivo ou não invasivo. Se não for possível interromper o uso do IBP por 2 semanas, pode-se considerar a possibilidade de mudar para um antagonista do receptor H2 e interrrompê-lo 2 dias antes. A única ferramenta diagnóstica que não sofre influência do uso dessas medicações seria a sorologia – porém, como discutido acima, esse tipo de teste não é recomendado como ferramenta de diagnóstico clinico, tendo papel reservado para estudos epidemiológicos.
  • O diagnóstico de infecção por pylori deve basear-se em: cultura positiva ou gastrite por H. pylori confirmada em Histopatologia com pelo menos 1 outro teste positivo baseado em biópsia (teste rápido da urease, testes moleculares/ PCR ou hibridização fluorescente in situ). Recomenda-se que para o fim do diagnóstico da infecção em crianças, sejam realizadas ao menos 6 biópsias: 2 do antro e 2 do corpo para a Histopatologia (utiliza-se a classificação de Sydney), 1 do antro e 1 do corpo para cultura (se disponível). Além disso ou como alternativa a cultura, caso essa não esteja disponível (cenário não ideal), uma biópsia para testes de diagnóstico adicionais do antro – ensaios de urease rápida ou teste molecular.
  • Normalmente, o diagnóstico inicial da infecção por H. pylori não deve ser baseado em testes não invasivos. Um teste não invasivo positivo, no entanto, apoia o diagnóstico nos casos em que a histologia positiva é o único teste invasivo disponível. Além disso, deve-se considerar a possibilidade que durante o sangramento (hemorragia digestiva alta), um falso-negativo pode ocorrer. Os métodos de diagnóstico molecular (PCR) podem ter melhor sensibilidade nesse cenário.
  • As indicações para uso clínico de fato de um teste não invasivo para diagnostico de infecção por pylori seriam apenas em caso de PTI crônica ou se houver suspeita clínica de falso negativo na presença de Doença ulcero-péptica. Nestes casos, utiliza-se teste respiratório ou antígeno fecal.
  • Sorologias/ Testes baseados em anticorpos para pylori no soro, sangue total, urina e saliva não devem ser usados na prática clínica.

 

Quem são as crianças que devem ser tratadas?

  • A estratégia “Testar e tratar” para a infecção por pylori em crianças claramente  NÃO é recomendada.
  • A indicação clínica clássica com bom nível de evidencia para tratamento da infecção por pylori em pediatria é na presença de Doença ulcero-péptica, sendo nesse cenário o H. pylori é uma causa tratável, e a sua erradicação associada a prevenção de recaídas. A monoterapia com  IBP pode ser continuada (não obrigatoriamente) após a terapia de erradicação por mais 2 a 4 semanas nesses pacientes. Deve-se monitorar o sucesso da terapia 4-6 semanas após a interrupção da terapia e o retratamento em caso de falha é considerado mandatório nesse grupo. Sabe-se que medicamentos de supressão ácida e antibióticos diminuem a sensibilidade de todos os testes baseados em biópsia para H pylori. A presença de sangramento ativo também diminui a sensibilidade. Como discutido acima, se houver suspeita de resultados falso-negativos na presença de Doença ulcero-péptica, testes não invasivos podem auxiliar o diagnóstico, uma vez que essas crianças devem ser tratadas.
  • Na ausência de Doença ulcero-péptica e diagnóstico de infecção por pylori, quando se discute a consideração de tratar ou não a infecção, é fundamental que pais/ paciente sejam orientados de que o H. pylori não é a causa de sintomas benignos/funcionais e assim sendo, sua erradicação não deve alterar esses sintomas. A discussão deve abranger o risco potencial de desenvolver complicações pelo H. pylori (Doença ulcero-péptica e mais tardiamente na vida cânceres gástricos) vs. os riscos potenciais do  tratamento propriamente dito (falha do tratamento, efeitos adversos dos antibióticos, eliminação de um potencial efeito imunológico benéfico da colonização pelo H. pylori em crianças). Em comunidades de alta prevalência, deve-se ter em mente ainda que a taxa de reinfecção em crianças pequenas após uma erradicação bem-sucedida é significativa.

 

Quando indicado, como as crianças que devem ser tratadas?

  • Sempre que disponível, a cultura com suscetibilidade antimicrobiana deve ser obtida para guiar o tratamento. Isso se torna particularmente fundamental em caso de falha de erradicação com o esquema de tratamento inicial.
  • Em muitos locais, a resistência primária à claritromicina aumentou para níveis acima do limite recomendado (15%) para que se justifique seu uso como agente de primeira linha na erradicação da infecção por pylori. No Brasil, estudos pontuais reportam um índice de resistência de 10 a 20% – ou seja, a claritromicina continua sendo parte do esquema inicial recomendado para tratamento, embora em alguns locais do pais, isso não seria mais apropriado (daí a importância de realizar cultura e testagem de susceptibilidade).
  • Idealmente, eficácia da terapia de primeira linha deve ser avaliada em centros regionais ou regionais. Como o teste de suscetibilidade antimicrobiana não está disponível em todos os centros,  a eficácia regional dos regimes de erradicação  deve ser monitorada.
  • Quando não se conhece a susceptibilidade,  a terapia tripla de alta dose (IBP, Amoxicilina, Metronidazol) por 14 dias seria a de primeira (as doses estão disponíveis em tabelas no documento citado na referência).
  • Se a cepa for suscetível ao Claritromicina e ao Metronidazol, a terapia tripla com claritromicina (IBP, Amoxicilina, Claritromicina) por 14 dias é a de escolha. Em caso de falha do tratamento, uma mudança para IBP, Amoxicilina e Metronidazol poderia ser feita nesses casos sem mais testes de susceptibilidade além do inicial.
  • A terapia seqüencial por 10 dias (IBP + Amoxicilina por 5 dias, seguida de IBP + Claritromicina + Metronidazol por 5 dias) é considerada igualmente eficaz em pacientes infectados com cepas totalmente suscetíveis – com a desvantagem de expor a criança a 3 antibióticos diferentes (então na prática não é utilizada/ recomendada em pediatria). Não deve ser dada se a resistência ao Metronidazol ou Claritromicina, ou se o teste de sensibilidade não estiver disponível. As diretrizes mais recentes para adultos recomendam oficialmente contra o uso da terapia sequencial como terapia de primeira ou segunda linha.
  • Quando o tratamento com pylori falha, a terapia de resgate deve ser individualizada, considerando a susceptibilidade a antibióticos, a idade da criança e as opções antimicrobianas disponíveis.
  • Para crianças menores de 8 anos, a terapia quádrupla de bismuto refere-se ao bismuto, IBP, Amoxicilina e Metronidazol. Em crianças com mais de 8 anos, a terapia quádrupla de bismuto refere-se ao bismuto, IBP, tetraciclina e Metronidazol. Na prática, é muito difícil encontrar bismuto disponível no Brasil.
  • O uso de probióticos para reduzir os efeitos colaterais ou melhorar as taxas de erradicação não é apoiado pelas evidências atuais disponíveis para a população pediátrica.
  • A confirmação invasiva da erradicação raramente é necessária em pacientes pediátricos. Vale lembrar que o teste respiratório pode dar resultados falso-positivos em crianças menores de 6 anos, devido ao baixo volume pulmonar e dificuldades para engolir o substrato e pela possível presença de  organismos produtores de urease na mucosa oral.

 

Referências:

– Joint ESPGHAN/NASPGHAN Guidelines for the Management of Helicobacter pylori in Children and Adolescents (Update 2016)

https://www.naspghan.org/files/Joint_ESPGHAN_NASPGHAN_Guidelines_for_the.33.pdf

 


“DISCLAIMER”/ aviso legal: o objetivo dessa página é compartilhar conhecimento médico, visando um público alvo de médicos, pediatras, gastroenterologistas pediátricos, estudantes de medicina. Os conteúdos refletem o conhecimento do tempo da publicação e estão sujeitos a interpretação da autora em temas que permanecem controversos.
A linguagem é composta de linguagem/jargões médicos, uma vez que não visa o público de pacientes ou pais de pacientes. O conteúdo dessa página não pode  substituir uma consulta médica.
As indicações e posologia de medicamentos podem mudar com o tempo, assim como algumas apresentações ou drogas podem ser retiradas do mercado.
Em caso de dúvida relacionada ao conteúdo ou se algum dado incorreto foi identificado, entre em contato!