Malformações do trato digestivo

4 de abril de 2020

Malformações do trato digestivo

 

  • Aspectos gerais: No recem-nascido, a imensa maioria das malformações são relacionadas/ se manifestam com  quadro obstrutivo; polidramnio pode ser a primeira dica! (mas não há anormalidade materna ou fetal identificada em até 90% dos casos de polidramnio);  recem-nascido com vomito bilioso deve ser considerado como provavel má-rotação  ou obstrução intestinal até que se prove ao contrario, porque dada a gravidade desses diagnosticos e potenciais consequencias, essas hipoteses diagnosticas devem estar no topo do diagnostico diferencial; de forma geral obstrução mais alta se manifesta vômitos mais precoces. Outro sinais de obstrução  do TGI são distensão abdominal e atraso da eliminação de mecônio.

 

  •  Atresia de esofago (e fistula traqueo-esofagica): ocorre em 1:3000 a 1:4500 nascidos vivos. A classificação anatômica mais usada é a de Gross: de A a E; A – so Atresia (sem fistula), B – atresia com fistula proxima, C- atresia com fistula distal, D- atresia com ambas as fistulas (D=duas fistulas), E – “especial”, sem atreasia, apenas fistula. O tipo mais comum é o C – com fistula distal, correspondendo a 88% dos casos, o segundo mais comum é apenas fistula (tipo E), 4%.
  • A suspeita de atresia de esofago pode ser pré natal, na ausência de bolha gástrica, presença de polidramnio, e/ou registro de distensão do esôfago superior durante a deglutição. Após o nascimento, nota-se salivação excessiva, eliminação de muco pelo nariz ou boca, respiração ruidosa, desconforto respiratório. Se ha suspeita, teste de passagem de sonda nasogastrica pode ser feito na sala de parto (não mais indicado rotineiramente, apenas na suspeita especifica), em que se evidencia a não progressão da sonda  – após 10 a 12 cm.
  • Em mais da metade dos casos ha malformação associada, que pode ser isoladamente ou sindromica/em associação (como na associação VACTERL, CHARGE).
  • Com auxilio de SNG, pode-se estimar altura do coto. Radiografia de torax/abdome auxilia o diagnotico: presença de gás no abdome indica fistula distal; ainda nessa radiografia deve-se observar quanto a presença de anormalidade de vertebra, sinais sugestivos de malformação cardiaca, sinal da dupla bolha (pode ter atresia de duodeno associada). Se necessario, persistindo a duvida diagnostica, pode-se usar bário diluído (em pequena quantidade, e deve ser aspirado após).
  • No manejo da atresia de esofago: manter sonda (e aspiração) do coto, decúbito elevado, evitar IOT (para nao pressurizar a via aera), abordagem cirúrgica conforme tipo de defeito e com broncoscopia pré cirurgica. O tipo C, mais comum, em geral permite anastomose primaria.

 

  • Obstrução gástrica: rara, cursa com polidraminio em 50% dos casos. Uma causa importante a ser lembrada é atresia de piloro associada a epidermolise biliosa. Em geral se manifesta com vômitos não biliosos. Radiografia mostra distensão gástrica com bolha única, e sem ar distal. Tratamento inicial é descompressão gástrica  e correção de de disturbios hidroeletroliticos. Tratamento cirúrgico: variável conforme a causa propriamente dita: excisão de membrana, piloroplastia, anastomose gastroduodenal…

 

  • Estenose hipertrofica de piloro: apesar de manifestar-se mais tardiamente – nao no periodo neonatal, trata-se de uma malformação. Hipertrofia gradativa da musculatura pilorica, que ocorre em 1:3000 nascidos vivos, com maior frequencia no no sexo masculino (4:1), e classicament eno primogênito. Com outras malformações associadas em 7-10%: má-rotação, uropatia obstrutiva, atresia de esôfago, dentre outras.
  • Apresenta-se clássicamente entre 2 e 6 meses de idade, com vomito não bilioso em jato pos alimentar. Diagnostico no exame clinico (oliva palpavel) ou US de abdome (critérios – espessura pilórica > 4mm, alongamento do canal pilorico > 16 mm). Laboratorialmente, tem-se a classica alcalose metabolica hipocloremica e hipocalemica.
  • Tratamento cirurgico após estabilização clinica.

 

  • Obstruções duodenais: podem ser intrinsecas/atresias ou extrinsecas. Dentre as extrinsecas, tem-se bridas de Ladd/ malrotação, pancreas anular (alem de causar obstrução extrinseca pode estar associado a estenose duodenal), duplicação duodenal, veia porta pre-duodenal. Independente da causa de obstrução, a permeabilidade do intestino distal precisa ser testada (multiplas malformações/ associações).
  • Atresia de duodeno: em geral é diagnosticada no pré-natal, cursando com polidramnio (60%), dupla bolha, e diminuicao da quantidade de meconio distal. Na maioria dos casos: RNs prematuros e baixo peso. Em 85% dos casos tem-se obst. proximal a ampola hepatopancreatica (vomitos biliosos). Fundamental  realizar DD com má-rotação /volvo. Alta freqeuencia de condições associadas (70%): má-rotação (40%), pancreas anular (40%), Sd. Down (30%), cardiopatia (20%), atresia de esofago (10%), anus imperfurado (8%), Meckel (8%).  Em geral, radiografia evidencia “dupla bolha” de facil visualização. Tratamento cirurgico após estabilização clinica.
  • Estenose de duodeno: mais comumente, curam com obstruções incompletas, sendo causadas por membrana ou diafragma fenestrado. Localização mais frequente: 3ª ou 4ª porção do duodeno, e portanto diagnostico mais tardio do que uma obstrução mais alta e compelta, comumente necessario exame contrastado para auxiliar o diagnostico. Sem sinal da dupla bolha.

 

  • Má-rotação intestinal: frequencia estimada de 1:6000 nascidos vivos. Termo amplo que engloba múltiplas alterações da rotação e fixação do intestino, com amplo espectro desde ausência total de rotação ate simples ceco móvel. Tipo mais freqüente: duodeno atrás ou a direita da artéria mesentérica superior (não cruza linha media), com ceco sobre o duodeno ou logo a esquerda dele, com aderências entre ceco e peritônio parietal no hipocôndrio direito (bridas ou bandas de Ladd – que podem determinar obstrução duodenal). Grande questão da má-rotação: Com a perda da fixação do ceco, pode haver torção do intestino (volvo), que trata-se de emergencia medica – ameaça a viabilidade do intestino rapidamente, pondendo levar a ressecção cirurgica extensa e consequente, sindrome do intestino curto.
  • Freqüentemente associada a outras anomalias: atresia de delgado, Prune belly, gastrosquise, onfalocele, hernia diafragmatica.
  • Pelo espectro, diagnostico pode ser acidental, pode manifestar apenas na vida adulta.
  • Quando sintomática: vômitos biliosos, graus variados de distensao abdominal (indistinguível de obstrução intestinal alta).
  • Radiografia não define diagnostico, porem na presença  quadro compatível associado a  distensão gástrica e bolha duodenal discreta, é muito sugestivo
  • Em situação de choque, dx pode ser presumido com rx compatível.
  • EED, quando pode ser realizado,  é o exame de escolha: distensão gástrica e duodenal, torção duodenal, obst. duodenal.
  • Enema não vê má rotação intestinal duodeno-jejunal
  • USG pode auxiliar diagnostico. mostrando a veia mesentérica superior a esquerda da artéria, entretanto relação normal dos vasos mesentéricos não exclui o diagnóstico.
  • Na presença de volvo, tratamento cirurgico de emergencia!

 

  • Atresia ileojejunal: frequencia estimada de 1:5000 nascidos vivos. Rara de forma geral, porem comum no universo de obstrução intestinal no recem nascido. Acredita-se que seja um processo secundario a isquemia intestinal intra-útero. Em geral não associada a anomalia extraintestinal, raramente ocorre em com Hirschsprung, fibrose cistica, má-rotação intestinal. US antenatal tem baixa acuidade diagnostica, sendo polidramnio o achado mais frequente, em apenas 16% dos casos. Apresentação: vômitos pos alimentares biliosos no recem nascido. Fundamental observar que a eliminação de mecônio NÃO exclui diagnostico (porque ha secreção e conteudo intestinal distal a obstrução).
  •  Radiografia evidencia alças dilatadas, ausência de ar retal.
  • Existem 4 tipos principais de atresia ileal: Tipo I – diafragma fino que oclui o lúmen; tipo II-  duas extremidades cegas  conectadas por um cordão fibroso do intestino atrésico; tipo IIIa, 2 extremidades cegas terminam com  um defeito mesentérico em forma de V (é o tipo mais comum); tipo IIIB, em “casca de maçã” – por grande defeito mesentérico em forma de V, no qual o intestino cego distal à atresia é envolvido em torno de seu suprimento sanguíneo (dando o aspecto caracteristico), associado a ausencia de artéria mesentérica superior distal, com encurtamento do intestino delgado distal à atresia e ausencia do mesentério dorsal; tipo IV – múltiplas atresias.
  • Tratamento cirurgico, alto risco de intestino curto no tipos IIIb (pela atresia distal) e IV.

 

  • Ileomeconial: trata-se da obstrução do intestino delgado por meconio espesso, sendo a imensa maioria associada a fibrose cistica (estima-se a ocorrencia em ate 20% dos recem nascidos com FC). Considerado patognomonico de FC, mas não é exclusivo dessa condição: pode ocorrer na aplasia pancreática e doença de Hirschsprung. Pode complicar com volvo, isquemia, e/ou  perfuração. Diagnostico diferencial com outras causas de obstrução intestinal. Achado radiografico classico de imagem de “miolo de pão” ou “bolha de sabão” pode ser vista em fossa iliaca direita. Em paciente estável, enema pode auxiliar diagnostico. Em teoria, na ausência de complicação, pode-se manejo conservador com enema hiperosmolar pode ser tentado (Gastrografina®) – na pratica, raramente realizado/ em desuso, porque diagnostico final acaba sendo de fato cirurgico.

 

  • Duplicações: são malformações raras, que podem ocorrer em qualquer local do TGI.  Císticas ou tubulares – maioria císticas, e em delgado. Em 25-30% dos casos com mucosa ectópica, sendo mucosa  gástrica a mais freqüente (depois: pancreática). São freqüentemente assintomáticas, podendo ser de diagnostico incidental (com exame de imagem ou durante cirurgia de outra natureza). Podem se tornar sintomaticas se causarem compressão, obstrução, sangramento. Raramente mucosa gástrica ectópica pode degenerar. Duplicação esofágica pode ser vista como massa mediastinal. Exames de imagem (USG/ TC/ medicina nuclear) auxiliam diagnostico diferencial. Tratamento cirúrgico (ressecção) – como duplicacoes são nutridas pelos mesmos vasos sanguineos do intestino primitivo, ressecão pode ser tecnicamente dificil, e comumente envolve tambem resseão de segmento intestino normal.

 

  • Atresia de colon:  em geral, apresentação como todas as outras obstruções: com distensão abdominal, vomitos biliosos, ausência da eliminação de mecônio; nas primeiras 24 horas de vida. Trata-se da mais rara das atresia intestinais, com incidencia estimada de 1:20-40 mil nascidos vivos. Associada a: Hirschsprung, atresia jejunoileal, defeitos de parede abdominal, MF anorretais, MFs cardíaca/renal/ocular, polidactilia, sindactilia. Enema opaco auxilia o diagnostico, evidenciando microcolon, que termina em obstrução. Tratamento cirurgico, com biopsia seriadas para excluir/detectar Hirschsprung.

 

  • Hirschsprung/ Megacolon congênito:  Ausência de células nervosas ganglionares no plexo de Auerbach. Em 1 para 5 mil NVs, predomínio masculino (4:1), 80-90% diagnostico neonatal- porem 10 a 20% não são diagnosticados nessa fase, podendo o diagnostico ser BEM tardio (entra no diagnostico diferencial de constipacao de dificil controle/ pouca resposta ao tratamento).
  • 75% apenas de retossigmoide, enquanto 8-10% pan-colonica + acomentimento de íleo terminal
  • Associação mais comum: Síndrome de Down – em 8-16% dos casos, inversamente 5% das crianças com Down tem DH.
  • Enquanto 95% dos RNT eliminam mecônio nas primeiras 24 horas de vida, 95% dos pacientes com DH não eliminam mecônio nas primeiras 24 horas de vida.
  • Toque retal pose auxiliar diagnostico: fezes explosivas, alivio (temporario) da obstrução
  • Enema no recem nascido comumente não mostra zona de transição
  • Se paciene estável e com doença restrita (retosigmoide): pode-se descomprimir (com soro fisiologico, trez vezes ao dia) e programar abaixamento anal em tempo único aos 2 meses de vida (cenario relativamente raro)
  • Na presença de prematuridade, enterocolite, doenca extensa, comorbidades: cirurgia de urgencia com colostomia e abaixamento definitivo em 2º tempo.
  • Familiar: genes RET, EDNRB, and EDN3

 

  • Malformação anorretal: anus imperfurado ocorre em 1 para cada 5 mil nascidos vivos, com leve predomínio masculino (60%). Maioria sem condição associada, porem malformações associadas incluem: malformações sacrais e vertebrais, defeitos cardíacos, Sd. Down, defeitos genito-urinarios (20-50%). Diagnostico clinico: fundamental avaliar presenca de fistula e necessidade ou não de colostomia. “Invertograma” pode auxiliar diagnostico. Distancia intestino-borda anal >1 cm = necessidade de colostomia, se < 1cm = anoplastia anorretal. Se colostomia necessaria: abaixamento por via sagital posterial realizado entre 6 e 12 meses de idade.

 

  • Meckel: Divertículo formado pela persistência do duto vitelino/ onfalo-mesentérico. Usualmente na borda anti-mesenterica do íleo – a 80-100 cm da valcula ileocecal. Em 2% da populacao,  sintomatico em apenas 2-4% – nesse grupo, 50-60% nos 1os 2 anos de vida.
  • “Rule of 2’s: 2% of the population, 2% symptomatic, mostly in children < 2 years, affects males twice as often, located 2 feet proximal to the ICV, ? 2 inches long, and can have 2 types of mucosal lining”
  • Manifestações mais comumente pela presença de tecido ectópico: 40-60% sangra, 25% obstrui, 10-20% inflama. Mucosa gástrica mais freqüente que pancreática, jejunal ou colônica.
  • Manifestação clássica: hemorragia retal grave, com sangue vivo, queda importante de hemoglobina, que cessa sem intervenção.
  • Obstrução na presença de cordão fibroso pode levar a quadro grave com choque.
  • Medicina nuclear para detectar mucosa gastrica ectopica: 90% de especificidade, 60% de sensibilidade
  • Tratamento cirúrgico: diverticulectomia ou ressecção.
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