“Perfil hepático” pós Kasai em atresia de vias biliares

3 de abril de 2021

“Perfil hepático” pós Kasai em atresia de vias biliares

– Dados do consórcio “Childhood Liver Disease Research Network” (ChiLDReN) indicam que uma criança com atresia biliar corre alto risco de progressão inicial da doença se a bilirrubina sérica total não cair abaixo de 2 mg/dL (34,2 micromol / L) dentro de 3 meses após um hepatoportoenterostomia ou cirurgia de Kasai.

– Um INR (ou RNI- razão normalizada internacional) anormal ou levemente elevado após a cirurgia pode tanto ser reflexo de deficiência de vitamina K se houver colestase persistente, quanto ser resultado de uma disfunção hepatocelular. Esses pacientes devem ser suplementados com vitamina K – se por via oral, isso deveria ser realizado preferencialmente com a forma-apresentação DEKAs (multivitaminico feito com tecnologia foi projetada especificamente para pacientes com condições de má absorção das vitaminas lipossolúveis D, E, K e A). Alternativamente pode-se realizar a reposição por via parenteral.

– Os níveis basais de vitaminas A, D e E devem ser solicitados sempre que houver a possibilidade, mas não é necessário aguardar os resultados antes de iniciar os suplementos.

– Um aumento persistente da gama-glutamil transferase (GGT) não é, por si só, preditivo de resultado a curto prazo. Alias, sabe-se que pós Kasai esses pacientes tem graus elevados de GGT e transaminases cm bastante variação interindividual, ainda que a cirurgia “funcione”/drene. É importante conhecer a linha de base de cada paciente, para observar progressão ao longo do tempo, e alterações súbitas ou agudas (que na presença de febre devem alertar para possibilidade de colangite). Espera-se que numa cirurgia bem sucedida, a bilirrubina normalize, e as enzimas, embora possam estar alteradas, permaneçam relativamente estáveis ao longo do tempo.

– A contagem de plaquetas baixa pode refletir algum grau de hiperesplenismo. Deve ser acompanhada ao longo do monitoramento e a queda progressiva das plaquetas em geral indica progressão da hipertensão portal.

– O momento do encaminhamento do paciente para transplante de fígado após a portoenterostomia varia de acordo com muitos fatores, incluindo idade ao diagnóstico primário, progressão e gravidade da doença, sinais de disfunção hepática, complicações de hipertensão portal, episódios de colangite repetidos.

– A frequência de monitoramento do perfil hepático após um Kasai, varia muito conforme centros e protocolos, não havendo consenso. Há serviços que indicam a frequência semanal durante o primeiro mês após Kasai, com intervalos quinzenais e mensais a partir de então durante os primeiros 6 meses – na prática, tamanha frequência é realizada em pouquíssimos serviços – possivelmente a maior parte realiza quinzenal inicialmente e mensal a bimensal após como uma regra, adaptando de forma individualizada conforme preocupações clínicas específicas. Fato é que esses pacientes precisam inicialmente ser acompanhados de perto, sobretudo também em relação a complicações nutricionais. Embora com 3 meses já se tenha uma boa idéia do prognóstico dessas crianças, como 6 meses, “oficialmente” se avalia o sucesso da cirurgia – se houve sucesso, a bilirrubina deve ser normal aos 6 meses. A partir daí, a maioria das crianças é monitorada a cada 3 meses – e nesse ponto parece haver mais consenso entre os diferentes serviços do que na prática precoce no pós-op.

– Todos os pacientes com cirrose têm risco de desenvolver CHC e isso pode ocorrer ainda na infância. Uma alfafoetoproteína (AFP) deve ser realizada pelo menos uma vez ao ano e com mais frequência se estiver anormal. A ultrassonografia anual também é necessária para monitorar o CHC e deve ser solicitada com mais frequência se a AFP estiver anormal

 

– Pacientes com doença hepática crônica devem ser encaminhados para transplante se houver evidência de deterioração progressiva do estado nutricional, disfunção hepática ou descompensação de doença hepática estabelecida. Mesmo antes disso, pacientes cujo Kasai não drenou, devem ser encaminhadas assim que isso for reconhecido: se bilirrubina total superior a 2,0 mg / dL (34,2 ?mol / L) 3 meses após o procedimento de Kasai deve ser encaminhada para avaliação de transplante de fígado, ou se a bilirrubina não normalizar depois de 6 meses da cirurgia. Pacientes que apresentam complicação cirúrgica, ou com níveis de bilirrubina progressivamente elevados após acirurgia deve ser prontamente ao menos discutidos com um hepatologista de serviço de transplante pediátrico.

– As complicações associadas à doença hepática em estágio terminal incluem desnutrição, ascite, hipertensão portal, varizes gástricas e esofágicas e crescimento e desenvolvimento deficientes.

– No cenário de hipertensão portal, tosse persistente, desenvolvimento de sintomas que pareçam asma ou diminuição da tolerância ao exercício devem levar à avaliação de síndrome hepatopulmonar ou hipertensão portopulmonar. Na verdade, idealmene todo paciente com hipertensão portal deveria ter sua oximetria de pulso avaliada em toda visita de seguimento, independente da presença de sintmas. Platipneia-ortodeoxia, baixa saturação de oxigênio na posição ortostática que se normalizou na posição supina, é típica em pacientes com síndrome hepatopulmonar.

– A desnutrição crônica exige suporte nutricional agressivo e pode exigir alimentação por sonda nasogástrica ou nutrição parenteral total. A alimentação por tubo de gastrostomia para crianças com risco de desenvolver hipertensão portal pode estar associada a um risco de sangramento no local da ostomia, portanto geralmente não é usada.

– Crianças com hepatopatia crônica devem ser monitoradas para ascite. A ultrassonografia pode detectar pequenos acúmulos de ascite antes que sejam clinicamente significativos. No entanto, se a ascite for apreciada no exame físico, provavelmente é um problema significativo e deve ser prontamente tratada com medicamentos.

– O prurido pode ser uma complicação devastadora em pacientes com AVB mesmo após o Kasai (se falha ou drenagem parcial), embora seja considerado particularmente pior classicamente em pacientes com outras condições hepáticas, como  síndrome de Alagille e colestase intra-hepática familiar progressiva tipos 1 e 2. O manejo medicamentoso pode ser difícil e inclui, o uso do ácido ursodeoxiólico – já indicado geralmente de forma rotineira após o Kasai; mas podem também ser necessárias outras tratamentos, como colestiramina, rifampicina ou naltrexona.

– Atualmente, não há dados pediátricos para apoiar a profilaxia primária de varizes esofágicas. O tratamento de varizes após um episódio de sangramento por varizes inclui principalmente os métodos endoscópicos (por exemplo, bandagem, escleroterapia).

– A conclusão oportuna das imunizações recomendadas antes do transplante de fígado é particularmente importante para pacientes e familiares.

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Referencias

  • Shneider BL, Magee JC, Karpen SJ, et al. Total serum bilirubin within 3 months of hepatoportoenterostomy predicts short-term outcomes in biliary atresia. J Pediatr. 2016;170:211–217. doi: 10.1016/j.jpeds.2015.11.058
  • New Zealand Child and Youth Clinical Networks. NZCYCN national guidelines.  Biliary Atresia (BA) – guidelines and management.  https://www.starship.org.nz/guidelines/browse?sp=nzcycn 
  • Berers U, Kremer AE, Bolier R, Elferink RP. Pruritus in cholestasis: facts and fiction. Hepatology 2014;60:399–407. doi: 10.1002/hep.26909
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  • Rubin LG, Levin MJ, Lkungman P, et al. 2013 IDSA clinical practice guideline for vaccination of the immunocompromised host. Clin Infect Dis. 2014;58:309–318. doi: 10.1093/cid/cit816