Síndrome de realimentação

15 de novembro de 2020

Síndrome de realimentação

–  Síndrome clínica complexa, caracterizada por alterações hidroeletrolíticas e metabólicas desencadeadas pelo suporte nutricional em pacientes gravemente desnutridos ou com fatores de risco nutricionais. Há controvérsia e dados divergentes quanto a sua definição propriamente dita, sendo que em geral se baseia no diagnóstico de distúrbios eletrolíticos, com ou sem  manifestações clínicas. As taxas de incidência variam muito a depender da definição usada. Infelizmente não há evidência forte para medidas preventivas da síndrome de realimentação. O manejo atual consiste em introdução gradual da terapia nutricional em pacientes de risco, monitorização intensa de distúrbios hidroelétrolíticos para manejo precoce.

– Maior risco de síndrome de realimentação é observado em: pacientes forma de desnutrição grave (como marasmo ou kwashiorkor), pacientes com recente perda importante de peso (perda de peso superior a 10% em um período de dois meses), jejum por sete a 10 dias, na vigência de fator estressor, perda significativa perda de peso em pacientes obesos, em transtornos alimentares (como anorexia nervosa). Fora do mundo da pediatria, outro fator de risco conhecidos é alcoolismo crônico.

-No jejum prolongado a secreção, há diminuição da secreção de insulina e aumento do glucacon: com mobilização dos estoques de gordura e proteína, gliconeogênese, utilização de corpos cetônicos e ácidos graxos como fonte de energia (em substituição a glicose). Há consequente perda de massa corporal e em perda intracelular dos eletrólitos, principalmente fosfato. É importante notar que a reserva intracelular de fosfato em pacientes desnutridos pode estar diminuída mesmo quando as concentrações plasmáticas estão dentro dos limites da normalidade.

– Quando paciente é “realimentado” (quando o paciente desnutrido cronica- ou agudamente recebe terapia nutricional) há uma série de rearranjos no estado metabólico. Há aumento da secreção insulínica que estimula a migração de glicose, fosfato, potássio, magnésio, água e síntese proteica para dentro da célula (para a reconstrução dos estoques intracelulares), podendo resultar em distúrbios  hidroeletrolíticos plasmáticos

–  É importante estar atendo ao risco de deficiências vitamínicas, sobretudo de tiamina (B1), que pode induzir a Beri-Beri ou à síndrome de Wernicke-Korsakoff. Na realimentação, a tiamina é fundamental como cofator em várias atividades enzimáticas.

– A manifestação predominante da síndrome de realimentação é a hipofosfatemia, que pode ser rapidamente progressiva. Além de desnutrição prévia, outras condições associadas à hipofosfatemia, as mais relevantes em pediatria sendo doença crítica e presença de fístulas gastrointestinais; mas também pós-operatório de cirurgia bariátrica e alcoolismo são identificados como fatores de risco. A hipofosfatemia é, em geral, considerada grave quando <1,5 mg/dl (normal: 2,5 a 3,5 mg/dl) – ou 1 mg/dl, dependendo da referencia.  Em geral é assintomática, mas pode induzir a manifestações das mais diversas: rabdomiólise, disfunção hematológica, insuficiência respiratória ou cardíaca, e alterações neurológicas.

– Em condições normais, o magnésio é cátion mais presente no meio intracelular, atual como cofator em centenas de reações enzimáticas, sendo fundamental para inúmeros processos metabólicos. O mecanismo da hipomagnesemia na síndrome de realimentação não está associada completamente esclarecido e provavelmente é multifatorial. Hipomagnesemia é considerada grave em geral quando magnésio sérico é menor do que <1,0 mEq/L, porém a muita variação entre as instituições entre o limiar para correção com bolus lento (em geral feito a partir de níveis menores que 0.6).

– Os distúrbios do potássio são provavelmente a complicação mais temida, pelo potencial arritmogênico. Trata-se de um cátion essencial na manutenção da ação potencial da membrana celular. Tem sua concentração corporal principalmente regulada pelos rins. A hipocalemia em geral é considerada grave se menor do que 3,0 mEq/L e ainda mais preocupante que 2.5. Em geral aceita-se que níveis entre 3 e 3.5 possam ser abordados com reposição via oral e monitoração, enquanto que abaixo de 3.0, essencialmente a reposição é feita via endovenosa, é necessário realizar ECG e, se houver alteração do ECG, correção “rápida” pode estar indicada (respeitando a apropriada velocidade de infusão e com intensa monitorização).

– Para pacientes em risco de síndrome de realimentação em que a terapia nutricional é iniciada, os eletrólitos plasmáticos (sódio, potássio, fosfato, magnésio, cálcio) devem ser monitorados – realizando-se uma linha de base, e exames ao menos diários (dependendo da gravidade do distúrbio presente monitorização mais intensa pode estar indicada) por pelo menos por quatro dias.

– Além disso, a terapia nutricional deve ser iniciada de forma gradual, sabendo que inicialmente a recuperação nutricional não vai acontecer instantaneamente, havendo um esperado período de transição, de 3 a 5 dias. Em geral a recuperação nutricional propriamente dita inicia de forma consistente na segunda semana da terapia nutricional. Em casos de maior risco, advoga-se inicio da terapia nutricional com oferta limitada a metade dos requisitos nas primeiras 48 horas.

 

REFERENCIA:

  • Viana, Larissa de Andrade, Burgos, Maria Goretti Pessoa de Araújo, & Silva, Rafaella de Andrade. (2012). Qual é a importância clínica e nutricional da síndrome de realimentação?. ABCD. Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva (São Paulo)25(1), 56-59. https://doi.org/10.1590/S0102-67202012000100013
  • Friedli N, Stanga Z, Sobotka L, et al. Revisiting the refeeding syndrome: results of a systematic review. Nutrition 2017; 35:151–160.

 


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